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Florbela Espanca, batizada como Flor Bela Lobo, e que opta por se autonomear Florbela d'Alma da Conceição Espanca, poetisa portuguesa, nascida a 8 de dezembro de 1894 em Vila Viçosa, Alentejo, e falecida a 8 de dezembro de 1930 em Matosinhos
Embora tenha vivido apenas trinta e seis anos, estes foram plenos, tumultuosos, inquietos e recheados de sofrimentos íntimos que soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização, e feminilidade. Na biblioteca com o seu nome, em Matosinhos, pode ler-se a sua obra, tão caraterística por ser eivada de sentimentos contraditórios e muito profundos.
A sua vida foi pautada por infortúnios vários que desde muito cedo a marcaram.
Filha bastarda de Antónia da Conceição Lobo e de João Maria Espanca. O seu pai herdou a profissão de sapateiro, mas exerceu as mais diversas profissões, como antiquário, negociante de cabedais, desenhista, pintor, fotógrafo e cinematografista.
O seu pai era casado com Mariana do Carmo Toscano. Apesar da sua esposa ser estéril, João Maria teve filhos de um caso extraconjugal, com autorização de sua mulher, e assim nasceram Florbela e, três anos depois, Apeles, ambos filhos de Antónia da Conceição Lobo, e registados como filhos ilegítimos de pai incógnito. João Maria Espanca criou-os na sua casa, e, apesar de Mariana ter passado a ser madrinha de batismo dos dois, João Maria só reconheceu Florbela como a sua filha em cartório dezoito anos após a sua morte.
Florbela frequentou a escola primária em Vila Viçosa. Foi nessa época que passou a assinar os seus textos como Flor d’Alma da Conceição. As suas primeiras composições poéticas datam dos anos 1903 e 1904. O poema "A Vida e a Morte", o soneto em redondilha maior em homenagem ao irmão Apeles e um poema escrito por ocasião do aniversário do pai "No dia d'anos". Em 1907, Florbela escreveu o seu primeiro conto "Mamã!" No ano seguinte, faleceu a sua mãe, Antónia, com apenas vinte e nove anos.
Florbela ingressou então no liceu masculino André de Gouveia em Évora, onde permaneceu até 1912. Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar o curso secundário. Durante os seus estudos arequisitou diversos livros na biblioteca pública de Évora, obras de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Almeida Garrett.
Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola. O casal morou primeiro em Redondo, instalando-se em 1915 na casa dos Espanca em Évora, em virtude das dificuldades financeiras por que passaram.
Em 1916, de volta a Redondo, a poetisa reuniu uma seleção da sua produção poética desde 1915, inaugurando assim o projeto Trocando Olhares. A coletânea de oitenta e cinco poemas e três contos serviu-lhe mais tarde como ponto de partida para futuras publicações. Na época, as primeiras tentativas de promover as suas poesias falharam.
No mesmo ano, Florbela iniciou-se como jornalista em Modas & Bordados (suplemento de O Século de Lisboa), em Notícias de Évora e em A Voz Pública, também eborense. A poetisa regressou de novo a esta cidade em 1917. Completou o 11º ano do Curso Complementar de Letras e matriculou-se na faculdade de direito da Universidade de Lisboa. Foi uma das catorze mulheres entre trezentos e quarenta e sete alunos inscritos.
Um ano mais tarde, a escritora sofreu as consequências de um aborto involuntário, que lhe teria infetado os ovários e os pulmões. Repousou em Quelfes (Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.
Em 1919 saiu a sua primeira obra, Livro de Mágoas, um livro de sonetos. Um ano mais tarde, ainda casada, a escritora passou a viver com António José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana.
Em meados de 1920 interrompeu os estudos na faculdade de Direito, e em Junho de 1921 casa finalmente com António Guimarães. O casal passou a residir no Porto, mas, no ano seguinte, transferiu-se para Lisboa, onde Guimarães se tornou chefe de gabinete do Ministro do Exército.
A 1 de Agosto de 1922, a recém fundada Seara Nova publicou o seu soneto "Prince charmant…", dedicado a Raul Proença. Em Janeiro de 1923 veio a lume a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade, edição paga pelo pai da poetisa. Para sobreviver, Florbela começou a dar aulas particulares de português.
Uns anos depois, divorciou-se pela segunda vez. Esta situação abalou-a muito. Em 1925, a poetisa casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a partir de 1926.
Em 1927 a autora principiou a sua colaboração no jornal D. Nuno de Vila Viçosa, dirigido por José Emídio Amaro. Naquele tempo não encontrava editor para a coletânea Charneca em Flor. Preparava também um volume de contos, provavelmente "O Dominó Preto", publicado postumamente apenas em 1982. Começou a traduzir romances para as editoras Civilização e Figueirinhas do Porto.
No mesmo ano, Apeles Espanca, o irmão da escritora, faleceu num trágico acidente de avião. A sua morte foi devastadora para Florbela. Em sua homenagem, Florbela escreveu o conjunto de contos "As Máscaras do Destino", volume publicado postumamente em 1931. Entretanto, a sua doença mental agravou-se bastante. Em 1928 teria tentado o suicídio pela primeira vez.
Em 1930 Florbela começou a escrever o seu Diário do Último Ano, publicado só em 1981, colaborou também na revista Civilização e no Primeiro de Janeiro, ambos do Porto.
Florbela tentou o suicídio por duas vezes mais em outubro e novembro de 1930, na véspera da publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu definitivamente a vontade de viver. Não resistiu à terceira tentativa do suicídio, falecendo em Matosinhos, no dia do seu 36º aniversário, em 1930. A causa da morte foi a sobredose de barbitúricos.
A poetisa teria deixado uma carta confidencial com as suas últimas disposições, entre elas, o pedido de colocar no seu caixão os restos do avião pilotado por Apeles quando sofreu o acidente. O seu corpo jaz, desde 17 de maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, a sua terra natal.
Em 1949 a Câmara Municipal de Lisboa homenageou a poetisa dando o seu nome a uma rua junto à Avenida da Igreja, em Alvalade.
Autora polifacetada: escreveu poesia, contos, um diário e epístolas; traduziu vários romances e colaborou ao longo da sua vida em revistas e jornais de diversa índole, Florbela Espanca antes de tudo é poetisa. É à sua poesia, quase sempre em forma de soneto, que ela deve a fama e o reconhecimento. A temática abordada é principalmente amorosa. O que preocupa mais a autora é o amor e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte. A sua obra abrange também poemas de sentido patriótico, inclusive alguns em que é visível o seu patriotismo local: o soneto "No meu Alentejo" é uma glorificação da terra natal da autora.
Somente duas antologias, Livro de Mágoas e Livro de Sóror Saudade, foram publicadas em vida da poetisa. Outras, Charneca em Flor, Juvenília e Reliquiae saíram só após o seu falecimento.
A prosa de Florbela exprime-se através do conto, em que a figura do irmão da poetisa é dominante, de um diário, que antecede a sua morte, e em cartas várias. Algumas peças da sua correspondência são de natureza familiar, outras tratam de questões relacionadas com a sua produção literária. Nas diferentes manifestações epistolares sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa, naturalidade e simplicidade.
António José Saraiva e Óscar Lopes na sua História da Literatura Portuguesa descrevem Florbela Espanca como sonetista de "laivos anterianos" e semelhante a António Nobre. Admitem que foi uma das mais notáveis personalidades líricas isoladas, pela intensidade de um emotivo erotismo feminino, sem precedentes entre nós portugueses.
Como afirmam vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Insere-se no seu mundo pequeno burguês, como evidencia nos vários retratos que de si faz ao longo dos seus escritos. Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Afirma-se conservadora. O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos.
Os excessos verbais da escritora são provocados pela sua imoderação para exprimir uma paixão. A sua exaltação do amor fraternal é considerada fora do comum; esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são na obra florbeliana uma constante.