O Maçarico era um cão de várias raças
Tinha pulgas e carraças e a rua como cama
Se alguém o olhava, soltava logo à cintura
Num acesso de ternura, com as patas cheias de lama
O Maçarico arranjou um dono rico
Para o xixi deu-lhe um penico
Mas ele nunca acertava
Só para a música o cachorro era dotado
Se a dona cantava o fado, então ele colaborava:
Aiaiaiai cantava a dona
Ão ão ão ão ladrava o cão
E lá no bairro toda a gente Ia buscar mais algodão
Ai ai ai ai tornava a dona
Caím caím gania o cão
Como quem diz “dona cuidado, com a desafinação”
O Maçarico era um cão tão invulgar
Que com música a tocar, tinha um sono mais pachola
Passava horas a mirar uma guitarra,
Uma vez deitou-lhe a garra, foi-se a guitarra à viola
O Maçarico teve casotas doiradas
Com catorze assoalhadas, WC, aquecimento
Mas como à noite, em casa havia canções
Mesmo com chuva e trovões, ele dormia ao relento
Aiaiaiai cantava a dona
Ão ão ão ão ladrava o cão
E lá no bairro toda a gente Ia buscar mais algodão
Ai ai ai ai tornava a dona
Caím caím gania o cão
Como quem diz “dona cuidado, com a desafinação”
O Maçarico foi à caça com o dono
Mas estava com tanto sono, que dormiu o dia inteiro
De qualquer modo, não foi perda muito grande
Pois que se ele visse o sangue, desmaiava só com o cheiro
O Maçarico teve uma paixão canina,
Pela gata da vizinha, que ele julgava cadela
De madrugada fazia-lhe serenata, a pedir a sua pata
Pois gostava tanto dela
Aiaiaiai cantava a dona
Ão ão ão ão ladrava o cão
E lá no bairro toda a gente Ia buscar mais algodão
Ai ai ai ai tornava a dona
Caím caím gania o cão
Como quem diz “dona cuidado, com a desafinação”
Mas um dia, o Maçarico não voltou para o jantar
Diz o dono para a dona “talvez não torne a voltar”
Todavia o Maçarico não esquecera o seu papel
E voltou com dez cãezinhos, com dez maçaricozinhos,
Tão espertinhos como ele
Ai ai ai ai cantava a dona
Ão ão ão ão ladrava o coro
E lá no bairro toda a gente dava à sola em desaforo
Ai ai ai ai gemia o dono
Serei assim tão pecador?
E eis a história do cachorro Maçarico cantador